Leia Isaias 65 O contexto histórico do texto não é o que agora nos concerne. Meu interesse é no espírito dele. E, se levarmos em conta tal interesse, então, eu diria que o espírito do texto é basicamente algo que estabelece o contraste entre viver confiante na Fortuna (Sorte) e no Destino (Carma), de um lado; e, de outro lado, viver confiante no Deus de toda Graça, que é Aquele que “esquece iniquidades”, “afasta os nossos pecados de diante de Seus olhos”, e “cria alegria e regozijo”... Ora, é a partir dessas energias espirituais Ele diz que refaz o nosso mundo. O culto à deusa Fortuna e ao deus Destino estabelecem esperanças com vão bem quando a maré é a favor. Mas quando a Sorte é transmudada em Azar, e o Destino vira Carma de dor, então, nada mais resta que viver do passado, do que foi, do que um dia nos criou tempos generosos, e do em outras eras nos foi bom, mas que já não é. E, desse modo, morre-se... Daí a ênfase do texto ser na ação de Deus que cria novos céus e nova terra, e que apaga as lembranças amargas e angustiadas, desemocionalizando o passado, fazendo dele apenas história, e não trauma; e, afirmando que o que procede desse estado de “alegria e regozijo” é aquilo que re-harmoniza a vida, diminuindo nela os anacronismos (gente morrendo fora da hora...) e os casuísmos (plantar e outro comer...); produzindo uma espiritualidade natural (fala-se, e Deus ouve), e pavimentando o caminho da reconciliação da existência à nossa volta (leão e boi fazendo ‘amizade’). O interessante que o espírito do texto nos ensina que o passado é a Potestade que impede a experiência da Recriação em nós. Na realidade, a fim de criar coisas novas, Deus primeiro desemocionaliza o passado, e faz isto dizendo que para Ele o passado já não é, posto que foi esquecido como ofensa ou transgressão. Assim, esse Deus que não ficou traumatizado com nosso passado, é Aquele que nos perdoa a fim de que nós nos perdoemos, e, assim, possamos ficar livres do que ‘já não é’, podendo então nos abrimos para o que é; e, sobretudo, para o que está sendo feito. Todavia, antes de criar um mundo novo, Deus cria “alegria e regozijo”, posto que é da Gratidão que nascem todos os mundos que valem a pena existir. O princípio que se estabelece é simples quando aplicado existencial, psicológica e espiritualmente a cada um de nós. Aquele que caminha com Confiança e Gratidão, sempre tem olhos para ver o que Deus está criando; e, por tal percepção, se alegra e se regozija, de tal modo que de seu coração procederão as forças invisíveis e criadoras que naturalmente re-harmonizarão o seu mundo. Eu sei como energias espirituais em desarmonia e inquietação podem, sozinhas, arruinar toda a conectividade que durante uma vida inteira se havia construído. Mas também sei que certas e boas re-conexões da mesma ordem podem realizar o re-surgimento de bons e milagrosos mundos. Trazer a vida para debaixo da Graça que nos ensina a andar em Confiança e Gratidão, sabendo que de cada ruína pode nascer uma nova cidade, e que de cada toco deixado queimando pode ainda brotar um renovo—posto que não se anda conforme a deusa Fortuna e nem de acordo com o deus Destino—, é aquilo que nos põe na vereda das novas criações que Deus sempre realiza quando a fé não se rende ao Azar ou ao Carma. “Eis que eu crio para vós outros prazer e alegria...” O que a isso se segue é descrito com linguagem mítica, com hipérboles, com grandiosidade poética...; porém, a mensagem é uma só: confie, ande com gratidão, abrace a alegria e o regozijo que a Graça faz brotar do nada em seu coração, e, então, ande conforme essa harmonia. O resultado é que sua existência começará a experimentar, sem esforço, uma vida na qual todas as coisas começam a encontrar o seu próprio lugar. Quem desejar confinar o texto de Isaías 65 nas prisões escatológico-dispensacionalistas, pode faze-lo. Todavia, saiba: está perdendo o melhor da festa hoje. A versão neotestamentária de Isaías 65 é Filipenses 4, todo o capítulo. Ali se observa como uma vida que se existencializa como alegria no Senhor, não tem como não alcançar a harmonia em si mesma, a qual, no dizer de Paulo, é “a paz de Deus que guarda mente e corações”. Quem gosta de Isaías, então, que ache bacana. Mas quem ama a Palavra, então, que experimente!
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