terça-feira, 31 de maio de 2016

Os sacerdócios de Melquisedeque, Arão e Jesus

"Mas vós sois... sacerdócio real..."  -  I Pedro 2.9.

Vários sacerdotes e sumos sacerdotes são mencionados na Bíblia. Segundo W. F. Albright, arqueólogo e pesquisador bíblico, não somente em Israel, mas em outras nações também há relatos de sacerdotes ou líderes de religiões num sistema hierárquico de transição de poderes há mais de mil anos antes de Moisés.
No Egito antigo cada um dos maiores templos existia um sumo sacerdote próprio para liderá-los.
No Velho Testamento a terminologia para "sacerdote" é "kõhen" (origem hebraica) e ocorre 741 vezes, sendo que 185 dessas referências encontra-se no "Manual dos Sacerdotes", como é também conhecido o livro de Levítico.
No Novo Testamento a terminologia para "sacerdote" é "hiereus" (origem grega) e ocorre mais vezes do que no AT.
Ainda no NT o sumo sacerdote é chamado, noutras menções, de "ho hiereus" significando "o sacerdote", como o principal deles, ou ainda "archiereus" que forma o termo "o sumo sacerdote" cerca de 56 vezes (como em Atos 5.24).
A menor ocorrência do termo no AT mostra como essa função se tornou mais importante no NT.
A relação doutrinária de sacerdócio nos dois Testamentos da Bíblia está melhor disposta no NT, a saber na carta aos Hebreus, onde citaremos ao longo de nosso estudo com bastante frequência.
Falaremos de três sacerdotes que receberam o ofício diretamente de Deus: Melquisedeque (Gênesis 14.18), Arão (Êxodo 28.1) e Jesus (Hebreus 5.10).

DEFINIÇÕES:
• O que é um sacerdócio?
Defini-se melhor "sacerdócio" a partir do grego utilizado no Novo Testamento e na Septuaginta (LXX):
(1) "hierateuma":
Forma a expressão "corpo de sacerdotes", denotando toda a igreja cristã e não apenas uma ordem especial dentro dela. Pedro chamou-a de "sacerdócio santo e real" (I Pedro 2.5,9 - Na LXX consulte Êxodo 19.6 e Deuteronômio 7.6);
(2) "hierõsune" ou "hierateia":
Significa o ofício, a qualidade, o grau e o próprio ministério sacerdotal (Hebreus 7.5,11,12,24; Lucas 1.9 - Na LXX consulte I Crônicas 29.22);
(3) "hierateuõ": Significa "oficiar como sacerdote" (Lucas 1.8).
Veja também o esboço "O Sacerdócio Levítico".

• Qual a diferença entre o sacerdote e o sumo sacerdote?
Basicamente a diferença consistia nas cerimônias de consagração e nas vestes (Êxodo 28; Levítico 8).
O sacerdote exercia terefas mais simples até certo ponto. O sumo sacerdote podia tomar parte nas atividades específicas além do que os sacerdotes tinham autorização (Êxodo 28.1-3; Hebreus 9.6-7). Veja também o esboço "O Sacerdócio Levítico".

• Qual a função do sumo sacerdote?
Além de tarefas simples (o sumo sacerdote não era uma pessoa diferente para fazer somente coisas específicas) havia algumas exclusividades:
(1) Só o sumo sacerdote poderia entrar no Lugar Santíssimo ou no Santo dos santos uma vez ao ano (Hebreus 9.7; Levítico 16.2,34);
(2) Somente o sumo sacerdote vestia uma roupa diferente e com significados especiais (Êxodo 28.2-43; 39.1-31);
(3) Após a morte de dois dos filhos de Arão, somente ele poderia levar as ofertas específicas do povo para cada ocasião (Levítico 10.1,2; 16.1-10);
(4) Somente ele poderia trazer o sacrifício por si próprio (Levítico 16.11-14);
(5) Assim como os sacerdotes, os sumo sacerdotes tinham a função de atuar como mestres da Lei (Levítico 10.11; II Reis 17.27,28; II Crônicas 15.3).

1. Melquisedeque, rei de Salém (Gênesis 14.18-20):
Em hebraico significa "rei de justiça" ou "rei de paz" ("malkisedeq" - cf. Hebreus 7.2).
A ligação com Jesus é que Melquisedeque também foi constituído sacerdote do Deus Altíssimo sem nunca ter pertencido à ordem levítica; Jesus, por ter nascido tempos depois, e Melquisedeque, por ter vivido anos antes do sacerdócio levítico (v. 18; Gálatas 4.4). Por isso, o escritor aos Hebreus afirma que Cristo havia se tornado sacerdote "segundo a ordem de Melquisedeque" (Hebreus 5.6,10; 6.20; 7.11,15,17; cf. Salmo 110.4).

• Principais particularidades que apontam Melquisedeque a Cristo:
Muitos eruditos tem identificado Melquisedeque como um anjo, como Sem, filho de Noé (Gênesis 6.10), como Enoque, que foi trasladado ao céu (Gênesis 5.24; Hebreus 11.5), como o próprio Esírito Santo e como o Senhor Jesus.
As possíveis indentificações devem-se ao fato de que Melquisedeque apareceu e desapareceu repentinamente (Hebreus 7.3). Pessoalmente acredito que se tratava de um tipo de Cristo, ou o próprio, visto que Ele sempre existiu. O texto de Hebreus ainda relata: "(...sem genealogia; que não teve princípio de dias, nem fim de existência, entretanto, feito semelhante ao Filho de Deus), permanece sacerdote perpetuamente." (Hebreus 7.3).
Se confrontarmos o texto citado com Salmo 90.2, João 1.1,2, João 10.30 e Colossenses 1.17, teremos uma breve confirmação de que, pelo menos, um representava o outro ("feito semelhante ao Filho de Deus"). Mas, precisamos usar de coerência para não doutrinarmos naquilo que a Bíblia já silenciou. Doutra forma, estarei comentando a respeito com mais intrepidez a frente sobre o sacerdócio de Cristo.
Outra particularidade, no entanto, que aponta Melquisedeque a Cristo é a expressão "rei de Salém" (v. 18) denotando que, assim como Cristo, ele era rei e sacerdote de Salém, cuja palavra significa "paz" (hb.) e era o antigo nome de Jerusalém (Mateus 5.35).
A expressão "sacerdote do Deus Altíssimo" (Gênesis 14.18; cf. Hebreus 7.1) dada a Melquisedeque traz à tona um dos mais raros títulos divinos no Antigo Testamento, "El Elyon", que define exatamente "Deus Altíssimo" (hb.), outra particularidade que aponta Melquisedeque a Cristo (cf. Lucas 1.32).
Melquisedeque trouxe pão e vinho a Abraão, representações inegáveis para nós hoje do corpo e do sangue de Cristo, mais uma particularidade que aponta um ao outro (Marcos 14.22-24).
Constatamos que a base dos argumentos de quem escreveu Hebreus é que o sacerdócio de Melquisedeque se deu não por genealogia ou herança, mas por seus próprios méritos. Além disso, o fato de não haver registro nem do início nem do término de seu reinado torna um símbolo merecedor do reinado e sacerdócio eternos de Cristo. Adiante falaremos mais a respeito.

2. Arão, sumo sacerdote levítico (Êxodo 28.1):
Em hebraico significa "brilhante". Talvez uma referência às brilhantes operações divinas realizadas por meio dele (cf. Êxodo 7.10; 8.6,17; 11.10).
Foi primeiro assistente e porta-voz de Moisés, seu irmão (Êxodo 4.14-16) e só depois tornou-se sacerdote. Moisés recebia a mensagem diretamente de Deus e passava a obrigação para seu irmão Arão transmití-la aos ouvintes (Êxodo 4.16).
O sacerdócio levítico de Arão tem muita importância e significado tanto para a antiga aliança quanto para a nova, facultada por Cristo.

• Principais particularidades que apontam Arão a Cristo:
Se ao lermos a história do povo de Israel no Pentateuco encontramos Moisés agindo como um tipo de Cristo algumas vezes, noutras achamos Arão assumindo este papel, sobretudo em seu ofício sacerdotal do povo de Deus. Arão era o único que podia entrar além do véu que separava os lugares Santo e Santíssimo para levar as ofertas do povo. Cristo é o único que nos dá acesso à Deus levando nossas ofertas (cf. Levítico 16.2,34; João 14.6).
Quando estudamos sobre Arão, vemos a tipificação de Cristo em três aspectos: o sacerdócio, o santuário e o serviço.
O líder Arão, para assumir o título de sumo sacerdote, foi "tomado dentre os homens" com o intuito de haver um representante da mesma natureza de seus liderados. Seu cargo "é constituído nas coisas concernentes a Deus", mas sempre em "favor dos homens". Sua função não permitia que ele comparecesse à presença de Deus de mãos vazias, pois tinha de "oferecer tanto dons como sacrifícios pelos pecados", sendo "capaz de condoer-se dos ignorantes e dos que erram, pois também ele mesmo está rodeado de fraquezas." (Hebreus 5.1,2).
O fato de ele ter sido eleito sacerdote dentre os homens faz com que participe das suas fraquezas, por isso, moderava o ofício sem poder gloriar-se, porque havia sido chamado por Deus e não por homens (Hebreus 5.3,4).
Da mesma forma, Jesus, que o escritor de Hebreus prefere chamá-Lo Cristo, "não se glorificou para se tornar sumo sacerdote", mas levou a honra para o Pai, que, embora sendo Filho, "aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu", e se aperfeiçoou tornando-se não apenas um mero sumo sacerdote, como também o Autor da salvação eterna nomeado pelo próprio Deus (Hebreus 5.5-10). Um detalhe: Cristo, conquanto sofrera como os homens, de forma alguma pecou como eles (Hebreus 7.28).

• Em Arão vemos as principais qualificações para o sumo sacerdócio (Hebreus 5.1-4):
(1) Ele deve ser tomado dentre os homens:
O fato de ser tomado dentre os que são da mesma natureza faz com que a comunhão seja completa, havendo compreensão, simpatia, amizade, etc.
Reportemo-nos à era da pureza onde Adão não havia pecado. Lá, a comunhão era perfeita porque Adão era literalmente a imagem e semalhança do Criador, pois não havia nele impureza, andava nu e não envergonhava a Deus, nem O constrangia ou emitia falta de temor. Após a Queda, Deus esboçou a mesma relação com o homem procurando-o entre as folhagens do jardim, mas viu que este havia quebrado a aliança da obediência tornando-se impuro (Gênesis 1.27; 2.7,15-17,21,22; 3.7-11). Por isso, após a quebra de conduta do homem faz-se necessário um guia como os homens e não como Deus.
Semelhantemente Jesus, outrora, expressa desejo de ser amigo dos seus servos por questões pertinentes (João 15.13-15; cf. 3.29).

(2) Ele deve ser chamado para mediar entre os homens:
O cargo consistia em comparecer diante de Deus a favor dos homens, mas prevalecendo a santidade. Desviar-se deste propósito era tido como violação direta ao convocador da função, o próprio Deus.
Mediar ou interceder pelos homens baseava-se em presentear, condoer-se dos mais fracos e de si próprio, apresentar as queixas diante de Deus pelos pecados deles e de si próprio e nunca se gloriar de alguma coisa, mas sempre exaltar o nome do Senhor.
A compaixão sentida pelo sumo sacerdote em favor dos outros deve-se ao fato de ele ser também humano e participar das mesmas fraquezas.
Foi necessário Cristo passar pelo nascimento, crescimento e vida carnais para compreender por experiência própria a natureza do homem, contudo, sem experimentar o pecado, repito (Atos 2.31; Hebreus 4.15; 7.28; I Pedro 2.22). No entanto, podemos crer que Jesus não precisaria jamais passar por esta experiência para ter conhecimento do sofrimento e fraqueza humanos (Hebreus 13.8; Colossenses 1.15-17), mas para que todos pudessem reconhecer que Ele sabia exatamente o que estava fazendo, nisto foi "...reconhecido em figura humana." (Filipenses 2.5-11 [v. 7]).

(3) Ele deve ser chamado por Deus:
Não haverá sumo sacerdócio se o chamado não for divino. Embora o escolhido tenha sido eleito dentre os homens o seu chamado veio de Deus.
As "coisas concernentes a Deus" revela a entrada do reino de Deus entre os homens (cf. Mateus 6.10) propagada por Ele através do sumo sacerdote, ou seja, o sumo sacerdote tem por função, em resumo, trazer o reino de Deus à tona em toda a terra, uma clara resposta a necessidade e petição humanas outrora ensinadas por Jesus (Mateus 6.33; cf. Hebreus 2.17).

3. Jesus, fiador de um melhor testamento (Hebreus 7):
O significado do nome de Jesus vem de "Josué" (gr. "Jesus" e hb. "Yeshua") significando "o Senhor é a salvação" (mais detalhes aqui).
O escritor de Hebreus é quem melhor menciona na Bíblia Jesus como o sumo sacerdote da nova aliança segundo a ordem de Melquisedeque e pelo ofício de Arão na lei mosaica (Hebreus 5.4-6,10; 6.20). Tais referências antigas sobre os hebreus são extraídas de Gênesis (14.18-20), de Êxodo (28.1,2) e de Salmos (110.4). Nesta ordem temos um relato histórico no Pentateuco, uma profecia nos Salmos e a doutrina em si no livro dos Hebreus.

• O sacerdócio de Jesus estabelecido desde o Pentateuco:
Jesus assumiu o sacerdócio através da linhagem da tribo a qual Moisés nunca havia separado sacerdotes (v. 14; cf. Mateus 1.1-3; Apocalipse 5.5).
Jesus então pertence a ordem sacerdotal eterna e especial, assim como a ordem de Melquisedeque, sem genealogia sacerdotal, uma vez que, Cristo, mediante sua natureza divina, não possui genealogia (João 1.1; Colossenses 1.17; cf. Hebreus 2.17; 3.1; 4,14,15; 5.6,10; 6.20; 7; 8.1,2; 9.11,12; 10.21).
A semelhança sacerdotal de Cristo com Melquisedeque diz respeito a quatro pontos:
(1) Cristo é Rei e Sacerdote (Zacarias 6.12,13);
(2) Rei de Salém ou Jerusalém (Mateus 5.35; Salmo 48.1,2; Apocalipse 21.2,10);
(3) Rei eterno sem registro de sua origem e fim (Hebreus 7.3; João 1.1; Colossenses 1.17);
(4) sem ter sido nomeado por homem algum (Hebreus 5.10).

O sentido do sacerdócio de Cristo é expresso pela Palavra da antiga aliança, não excluindo o ofício levítico, tampouco a Lei, mas tendo a mesma natureza aperfeiçoada na pessoa de Cristo. Portanto, a "mudança de lei" ao qual o escritor de Hebreus se refere não significa outra lei, mas outro Oficial da lei, segundo a ordem de Melquisedeque e não de Arão (Hebreus 7.11-14; cf. Mateus 5.17).
Se naquela época não era permitido ao povo se aproximar de Deus, hoje não é diferente. O sumo sacerdote da nova aliança é quem media o acesso ao Pai, embora o véu que separava os homens de Deus já não exista, o acesso é mediante o Grande Pastor, aquele que não é apenas a verdade e a vida, mas também o caminho (João 14.6; Hebreus 13.20; 7.25; cf. Isaías 35.8).
Os sacerdotes aarônicos exerciam um ministério simbólico da expiação do pecado. Mal sabiam eles que Cristo exerceria com vigor e prática as alegorias por eles apresentadas. Disse Charles Hodge: "Eles [os sacerdotes aarônicos] eram a sombra; ele [Cristo] foi a substância."
Eles ensinavam como o pecado tinha de ser retirado do meio da congregação (Levítico 16.5-10), Cristo tirou todo o pecado do mundo de forma prática abençoando todo aquele que crer (João 1.29,30; 3.18; Hebreus 7.25).
O sacerdócio de Cristo evidenciou-se em um patamar superior ao de Arão, mais superior ainda a Lei de mandamento carnal (Hebreus 7.15,16), e de forma tão eficaz que não necessita que seja repetido. Todas as qualidades de um sacerdote foram encontradas Nele (Hebreus 5.1-10; 7.23-28).
Melquisedeque abençoou Abraão, e como foi citado em Hebreus sendo "semelhante ao filho de Deus", mostra mais uma evidência clara de que a menção sobre o rei de Salém pode ter sido uma cristofania, ou seja, uma aparição de Cristo no AT (Gênesis 14.18-20; Hebreus 7.3).
Mediante essa possibilidade, o escritor de Hebreus tira qualquer dúvida: (1) Mencionando "como era grande" (Hebreus 7.4) aquele a quem Abraão pagara o dízimo dos despojos da guerra recém travada (Gênesis 14.1-17) e (2) deixando claro que "o inferior [Abraão] é abençoado pelo superior [...] aquele a quem se testifica que vive [Melquisedeque, isto é, Cristo]" (Hebreus 7.7,8).

CONCLUINDO:
Os benefícios providos pela obra sacerdotal de Cristo em nosso favor são:
(1) A expiação, palavra que significa "transformar em um", onde Cristo transforma-se, simbolicamente através da cruz, no sacrifício vivo em prol dos homens reconciliando-os na presença de Deus (Romanos 5.8-11; Filipenses 2.5-8) e; (2) a propiciação, palavra que significa "tornar propício, favorável, possível", onde Cristo, ao morrer na cruz, torna favorável, possível a reconciliação dos homens com Deus (Romanos 3.23-26; I João 2.2).
Em virtude da obra regeneradora de Cristo nos tornamos, de fato, sacerdócio real de Deus (I Pedro 2.9,10).
Bendito seja o nome do Senhor para todo o sempre!

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