"As freiras nos ensinaram que existem dois caminhos na vida, o caminho da natureza e o caminho da graça. Você precisa escolher qual deles vai seguir. A graça não procura satisfazer a si própria, ela aceita que a desprezem, que a esqueçam, que não gostem dela, ela aceita ser insultada e ser ferida. A natureza só que satisfazer a si mesma e fazer com que os outros a satisfaçam. Ela gosta de ser livre e que façam a sua vontade. Ela procura razões para ser infeliz quando o mundo todo esta feliz a seu redor e o amor está sorrindo através de todas as coisas. As freiras nos ensinaram que quem ama o caminho da graça jamais tem um fim triste. Eu serei leal a você, aconteça o que tem que acontecer".
Essas palavras citadas na introdução de Árvore da vida, o deslumbrante filme de Terrence Malick, me colocaram diante de realidades antagônicas: um mundo fechado e um mundo aberto; o caminho inexorável e o caminho passível de surpresas; o determinismo e a possibilidade; o (pré)destino e a liberdade, ou sua irmã, a esperança; o previsível e o inusitado; a confirmação das probabilidades e a reversão dos prognósticos; o fatalismo e o milagre.
Penso que quem acredita que a única estrada por onde o mundo deve e pode caminhar é aquela prevista pelos sentidos da razão, vive no caminho da natureza; quem vive aberto ao mistério, no caminho da graça. Quem deseja uma ordem lógica que a tudo explica, a tudo justifica e tudo faz acontecer na perspectiva do que é justo, vive no caminho da natureza; quem prescinde de lógicas e explicações e está vulnerável a fatos que estão além ou aquém de justificativas justas e coerências racionalistas, vive no caminho da graça.
Evidentemente, não estou dizendo que a graça é irracional, ou que Deus seja incoerente ou injusto. Apenas estou intuindo que o universo é sustentado por um critério que transcende a justiça, a saber, a graça.
Quando me deparo com argumentos do tipo “Deus não pode curar uma criança pelo simples fato de que não cura todas”, sinto meus pés fincados no caminho da natureza: as coisas têm que ser assim porque somente assim fazem sentido, têm lógica, têm critério de justiça. Deus é submetido a “tem que” ou “não pode”, isto é, seu caminho é confundido com o caminho natureza. Por outro lado, quando me deparo com fatos que não podem ser explicados, ainda que não correspondam à equanimidade que espero e gostaria de ver no universo, tenho a estranha sensação de que algo ou alguém que não me deve satisfações – ou cujas explicações estão fora do meu alcance, está agindo no mundo independentemente de mim, do que eu acho, do que eu creio ou do que considero justo.
Toda vez que me surpreendo exigindo explicações e tentando fazer Deus caber nos limites do meu entendimento, ouço o sussurro que me faz crer estar diante de um ídolo. Isso me humilha e me devolve ao estado de criatura. Serve para me lembrar que o universo segue seu curso pelo caminho da graça, e não da natureza. Traz os meus pés para o desconhecido, vulnerável e inexplicável solo da graça e do mistério de Deus. Olho para baixo e não vejo mais o chão. E me dou conta de estar no lugar mais seguro do mundo. (Ed Rene Kivitz)
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