segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O gigante caiu...

O homem desesperado está sentado em um dos cantos da igreja durante a reunião. Boca seca, mãos suando. Ele mal se mexe. Sente-se deslocado em uma sala de discípulos, mas para onde mais ele pode ir? Acaba de violar cada uma de suas crenças. Feriu cada uma das pessoa que ama. Passou uma noite fazendo o que jurou que jamais voltaria a fazer. E agora, no domingo, lá está ele sentado — e com o olhar fixo. Ele não fala. Se essas pessoas soubessem o que fiz...

Sente-se assustado, culpado e sozinho.
Ele poderia ser um viciado, um ladrão, espancar os filhos, espancar a mulher.
Ele poderia ser ela — solteira, grávida, confusa. Poderia ser um sem-número de pessoas, pois um número indeterminado de pessoas pro­cura o povo de Deus nessas condições — de desespero, infelicidade, de­samparo.
Como a congregação reagirá? O que ele encontrará? Críticas ou compaixão? Rejeição ou aceitação? Sobrancelhas levantadas ou mãos es­tendidas?
Davi pergunta as mesmas coisas para si mesmo. Ele está em fuga, é um homem procurado na corte de Saul. Seu rosto jovem está estampado em cartazes em agências de correio. Seu nome aparece no topo da lista de pessoas que Saul deseja matar. Ele foge, olhando por sobre o ombro, dormindo com um olho aberto e comendo com sua cadeira próxima à saída do restaurante.
Que série obscura de eventos! Não fazia dois ou três anos de quan­do ele estava apascentando rebanhos em Belém! Naquela época, bom era ver as ovelhas dormindo. Então apareceu Samuel, um idoso profeta com farta cabeleira e um chifre cheio de óleo. Assim como o óleo, o Espírito de Deus cobria Davi.
Davi deixou de fazer serenatas para ovelhas e passou a fazê-las para Saul. O tampinha ignorado da cria de Jessé estava na boca do povo — o rei Artur para a época da Camelot de Israel, belo e humilde. Os inimigos temiam-no. Jônatas amava-o. Mical casou-se com ele. Saul odiava-o.
Após o sexto atentado contra sua vida, Davi entende a razão. Saul não gosta de mim. Tendo a própria cabeça por recompensa e um bando armado em seu rastro, ele beija Mical, dá adeus à vida na corte e foge.
Mas para onde ele pode ir? Para Belém e arriscar a vida de sua fa­mília? Para o território do inimigo e arriscar a própria vida? Isso se torna uma opção mais tarde. Por enquanto, ele escolhe outro esconderijo. Ele vai à igreja. "Davi foi falar com o sacerdote Aimeleque, em Nobe" (1 Samuel 21:1).
Estudiosos indicam uma colina a cerca de um quilômetro e meio ao nordeste de Jerusalém como o provável lugar da cidade antiga de Nobe. Ali, Aimeleque, bisneto de Eli, dirigia, em termos, um mosteiro. Oitenta e cinco sacerdotes serviam em Nobe, o que lhe rendeu a alcunha de "a cidade dos sacerdotes" (22:19). Davi vai correndo para a cidadezinha, procurando abrigo para escapar de seus inimigos.
Sua chegada provoca um medo compreensível em Aimeleque. Ele "tremia de medo quando se encontrou com Davi" (21:1). O que leva um guerreiro a Nobe? O que o genro do rei deseja?
Davi garante sua segurança mentindo para o sacerdote:

O rei me encarregou de uma certa missão e me disse: 'Nin­guém deve saber coisa alguma sobre sua missão e sobre as suas instruções'... Agora, então, o que você pode me oferecer? Dê-me cinco pães ou o que você tiver (21:2,3).

Desesperado, Davi recorre à mentira. Isso nos surpreende. Até aqui Davi fora brilhante, impecável, puro — Branca de Neve em um elenco de bruxas com verrugas no nariz. Ele permaneceu calmo quando seus ir­mãos o repreenderam; permaneceu forte quando Golias bramiu; manteve a calma quando Saul perdeu a dele.
Mas agora ele mente como um chefe mafioso no confessionário. Descaradamente. Convincentemente. Saul não o havia encarregado de missão alguma. Ele não está cumprindo um serviço real secreto. Ele é um fugitivo. Injustamente, é claro. Mas, ainda assim, um fugitivo. E ele mente sobre isso.
O sacerdote não interroga Davi. Ele não tem razão para duvidar do fujão. Ele simplesmente não tem nenhum recurso para ajudá-lo. O sacer­dote tem pão, não pão comum, mas pão consagrado. O pão da Presença. Todos os sábados, o sacerdote colocava doze pães de trigo sobre a mesa como uma oferta a Deus. Após uma semana, e somente uma semana de­pois, os sacerdotes, e somente os sacerdotes, podiam comer o pão (como se alguém quisesse o pão de uma semana.) Não obstante, as opções e o colarinho clerical de Aimeleque encolhem.
Davi não é sacerdote. E o pão acabara de ser colocado sobre o altar. O que Aimeleque deveria fazer? Distribuir o pão e transgredir a lei? Guar­dar o pão e ignorar a fome de Davi? O sacerdote procura uma escapatória: "Não tenho pão comum; somente pão consagrado; se os soldados não tiveram relações com mulheres recentemente, podem comê-lo" (21:4).
Aimeleque deseja saber se Davi e seus homens vinham se com­portando. Pode culpar o aroma de pão recém-assado, mas Davi respon­de com a segunda mentira e uma escorregadela teológica. Seus homens não puseram os olhos, muito menos as mãos, em uma moça. E o pão consagrado? Ele põe o braço no ombro do sacerdote, segue com ele em direção ao altar e sugere: Sabe, Aime, meu camarada, "o pão terá o efeito de sempre, ainda que tenha sido santificado na vasilha" (21:5). Mesmo os pães consagrados, raciocina Davi, ainda são assados no forno e levam farinha. Pão é pão, certo?
Davi, o que você está fazendo? Mentir não é suficiente? Agora você está sendo leviano com as Escrituras e tentando persuadir o pregador?
Funciona. O sacerdote dá-lhe do pão consagrado, "visto que não havia outro além do pão da Presença, que era retirado de diante do SENHOR e substituído por pão quente no dia em que era tirado" (21:6).
Ávido, Davi devora o pão. É provável que Aimeleque também te­nha feito o mesmo. Ele pergunta-se se fez a coisa certa. Ele inverteu a lei? Violou a lei? Obedeceu a uma lei superior? O sacerdote concluiu que o apelo maior era a barriga vazia. Em vez de pôr os pingos nos is do código de Deus, ele supriu a necessidade do filho de Deus.
E como Davi retribui a compaixão de Aimeleque? Com outra mentira! "Você tem uma lança ou uma espada aqui? Não trouxe a minha espada nem qualquer outra arma, pois o rei exigiu urgência" (21:8).
A fé de Davi está vacilando. Não fazia muito tempo e a funda do pastor era tudo de que ele precisava. Agora aquele que recusou a armadu­ra e espada de Saul pede uma arma ao sacerdote. O que aconteceu com nosso herói?
Simples. Ele perdeu seu foco em Deus. Golias está no telão da ima­ginação de Davi. Conseqüentemente, começou o desespero. O desespero que cria mentiras, incita o medo, esconde a verdade. Não há onde se esconder. Não há o que comer.

Para o que tem fome espiritual, a igreja oferece alimento.

Não há refúgio. Não há recurso. Adolescentes e grávidas, os de meia-idade e os arruinados, os velhos e doentes... Para onde os desespe­rados podem ir?
Eles podem ir ao santuário de Deus. A igreja de Deus. Podem pro­curar um Aimeleque, um líder da igreja com um coração voltado para almas desesperadas.
Aimeleque deu pão para Davi; agora Davi quer uma espada. A úni­ca arma que há no santuário é uma relíquia, a espada de Golias. A espada que Davi usou para decapitar a cabeça do gigante. Os sacerdotes estão expondo a espada como a Galeria da Academia de Florença, na Itália, expõe a estátua de Davi, de Michelangelo.
"Esta está perfeita", diz Davi. E aquele que entra no santuário com fome e desarmado sai com a barriga cheia de pão e com a espada de um gigante.
Eugene Peterson, escritor e pastor, vê este intercâmbio como a fun­ção da igreja."Um santuário", ele escreve,"é... o lugar onde eu, como Davi, consigo pão e uma espada, força para o dia e armas para a batalha."'
Para o que tem fome espiritual, a igreja oferece alimento:

Pois estou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na criação será capaz de nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor (Romanos 8:38-39).

Para o fugitivo, a igreja oferece as armas da verdade:

Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito (Romanos 8:28).

Pão e espadas. Comida e equipamento. A igreja existe para prover ambas as coisas. Ela consegue fazer isso? Nem sempre. Ajudar pessoas nunca é um negócio organizado, porque as pessoas que precisam de ajuda não levam uma vida organizada. Elas entram na igreja como fugitivos, pedindo abrigo para escapar dos Sauls furiosos, em alguns casos, e das más escolhas em outros. Os Aimeleques da igreja (líderes, mestres, pastores e assim por diante) são forçados a optar não entre o preto e o branco, mas por tons de cinza; não entre o certo e o errado, mas por um pouco de cada.

Procurar o espírito — mais do que a letra — da lei.

Jesus convida a igreja a se inclinar na direção da compaixão. Um milênio depois o Filho de Davi lembra a flexibilidade de Aimeleque.

Naquela ocasião Jesus passou pelas lavouras de cereal no sába­do. Seus discípulos estavam com fome e começaram a colher espigas para comê-las. Os fariseus, vendo aquilo, lhe disseram: "Olha, os teus discípulos estão fazendo o que não é permitido no sábado". Ele respondeu: "Vocês não leram o que fez Davi quando ele e seus companheiros estavam com fome? Ele entrou na casa de Deus e, junto com os seus companheiros, comeu os pães da Presença, o que não lhes era permitido fazer, mas apenas aos sacerdotes. Ou vocês não leram na Lei que, no sábado, os sacerdotes no templo profanam esse dia e, contudo, ficam sem culpa?" (Mateus 12:1-5).

No final do dia no santuário, a pergunta não deve ser quantas leis foram violadas, mas, em vez disso, quantos Davis desesperados foram ali­mentados e equipados? Aimeleque ensina a igreja a procurar o espírito — mais do que a letra — da lei.
Davi ensina os desesperados a buscar ajuda entre o povo de Deus. Davi tropeça nessa história. Almas desesperadas sempre tropeçam.

Davi ensina os desesperados a buscar ajuda entre o povo de Deus.

Mas, pelo menos, ele tropeça no lugar certo — no santuário de Deus, onde Deus atende e ministra aos corações desesperados.
Voltemos à história com a qual começamos este capítulo: o ho­mem ofegante e descuidado está sentado na igreja durante a reunião.
Mencionei o tamanho da congregação? Pequena. Uma dúzia ou algo assim de almas reunidas em busca de força. Falei onde elas se reú­nem? Em uma sala no primeiro andar que elas tomaram emprestada em Jerusalém. E em que dia? Domingo. O domingo após a crucificação na sexta. O domingo após a traição na noite de terça.
Uma igreja de discípulos desesperados.
Pedro agacha-se na esquina e tapa os ouvidos, mas não pode ca­lar o som de sua promessa vazia. "Estou pronto... para a morte" (Lucas 22:33).

Deus traz pão para a nossa alma. "Paz seja com vocês", e uma espada para a batalha.
"Recebam o Espírito Santo".

Mas sua coragem desapareceu no togo e no medo da meia-noite. E agora ele e os outros desertores se perguntam que lugar Deus tem para eles. Jesus responde à pergunta passando pela porta.
Ele traz pão para a alma deles."Paz seja com vocês" (João 20:19). Ele traz uma espada para a batalha. "Recebam o Espírito Santo" (v. 22).
Pão e espadas. Ele dá ambas as coisas aos desesperados.

Ainda.
Olhe para Deus, o gigante caiu!!!

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