O homem desesperado está sentado em um dos cantos da igreja durante a reunião. Boca seca, mãos suando. Ele mal se mexe. Sente-se deslocado em uma sala de discípulos, mas para onde mais ele pode ir? Acaba de violar cada uma de suas crenças. Feriu cada uma das pessoa que ama. Passou uma noite fazendo o que jurou que jamais voltaria a fazer. E agora, no domingo, lá está ele sentado — e com o olhar fixo. Ele não fala. Se essas pessoas soubessem o que fiz...
Sente-se assustado, culpado e sozinho.
Ele poderia ser um viciado, um ladrão, espancar os filhos,
espancar a mulher.
Ele poderia ser ela — solteira, grávida, confusa. Poderia
ser um sem-número de pessoas, pois um número indeterminado de pessoas procura
o povo de Deus nessas condições — de desespero, infelicidade, desamparo.
Como a congregação reagirá? O que ele encontrará? Críticas
ou compaixão? Rejeição ou aceitação? Sobrancelhas levantadas ou mãos estendidas?
Davi pergunta as mesmas coisas para si mesmo. Ele está em
fuga, é um homem procurado na corte de Saul. Seu rosto jovem está estampado em
cartazes em agências de correio. Seu nome aparece no topo da lista de pessoas
que Saul deseja matar. Ele foge, olhando por sobre o ombro, dormindo com um
olho aberto e comendo com sua cadeira próxima à saída do restaurante.
Que série obscura de eventos! Não fazia dois ou três anos de
quando ele estava apascentando rebanhos em Belém! Naquela época, bom era ver
as ovelhas dormindo. Então apareceu Samuel, um idoso profeta com farta
cabeleira e um chifre cheio de óleo. Assim como o óleo, o Espírito de Deus
cobria Davi.
Davi deixou de fazer serenatas para ovelhas e passou a
fazê-las para Saul. O tampinha ignorado da cria de Jessé estava na boca do povo
— o rei Artur para a época da Camelot de Israel, belo e humilde. Os inimigos
temiam-no. Jônatas amava-o. Mical casou-se com ele. Saul odiava-o.
Após o sexto atentado contra sua vida, Davi entende a razão.
Saul não gosta de mim. Tendo a própria cabeça por recompensa e um bando
armado em seu rastro, ele beija Mical, dá adeus à vida na corte e foge.
Mas para onde ele pode ir? Para Belém e arriscar a vida de
sua família? Para o território do inimigo e arriscar a própria vida? Isso se
torna uma opção mais tarde. Por enquanto, ele escolhe outro esconderijo. Ele
vai à igreja. "Davi foi falar com o sacerdote Aimeleque, em Nobe" (1
Samuel 21:1).
Estudiosos indicam uma colina a cerca de um quilômetro e
meio ao nordeste de Jerusalém como o provável lugar da cidade antiga de Nobe.
Ali, Aimeleque, bisneto de Eli, dirigia, em termos, um mosteiro. Oitenta e
cinco sacerdotes serviam em Nobe, o que lhe rendeu a alcunha de "a cidade
dos sacerdotes" (22:19). Davi vai correndo para a cidadezinha, procurando
abrigo para escapar de seus inimigos.
Sua chegada provoca um medo compreensível em Aimeleque. Ele
"tremia de medo quando se encontrou com Davi" (21:1). O que leva um
guerreiro a Nobe? O que o genro do rei deseja?
Davi garante sua segurança mentindo para o sacerdote:
O rei me encarregou de uma
certa missão e me disse: 'Ninguém deve saber coisa alguma sobre sua missão e
sobre as suas instruções'... Agora, então, o que você pode me oferecer? Dê-me
cinco pães ou o que você tiver (21:2,3).
Desesperado, Davi recorre à mentira. Isso nos surpreende.
Até aqui Davi fora brilhante, impecável, puro — Branca de Neve em um elenco de
bruxas com verrugas no nariz. Ele permaneceu calmo quando seus irmãos o repreenderam;
permaneceu forte quando Golias bramiu; manteve a calma quando Saul perdeu a
dele.
Mas agora ele mente como um chefe mafioso no confessionário.
Descaradamente. Convincentemente. Saul não o havia encarregado de missão
alguma. Ele não está cumprindo um serviço real secreto. Ele é um fugitivo.
Injustamente, é claro. Mas, ainda assim, um fugitivo. E ele mente sobre isso.
O sacerdote não interroga Davi. Ele não tem razão para
duvidar do fujão. Ele simplesmente não tem nenhum recurso para ajudá-lo. O sacerdote
tem pão, não pão comum, mas pão consagrado. O pão da Presença. Todos os
sábados, o sacerdote colocava doze pães de trigo sobre a mesa como uma oferta a
Deus. Após uma semana, e somente uma semana depois, os sacerdotes, e somente
os sacerdotes, podiam comer o pão (como se alguém quisesse o pão de uma
semana.) Não obstante, as opções e o colarinho clerical de Aimeleque encolhem.
Davi não é sacerdote. E o pão acabara de ser colocado sobre
o altar. O que Aimeleque deveria fazer? Distribuir o pão e transgredir a lei?
Guardar o pão e ignorar a fome de Davi? O sacerdote procura uma escapatória:
"Não tenho pão comum; somente pão consagrado; se os soldados não tiveram
relações com mulheres recentemente, podem comê-lo" (21:4).
Aimeleque deseja saber se Davi e seus homens vinham se comportando.
Pode culpar o aroma de pão recém-assado, mas Davi responde com a segunda
mentira e uma escorregadela teológica. Seus homens não puseram os olhos, muito
menos as mãos, em uma moça. E o pão consagrado? Ele põe o braço no ombro do
sacerdote, segue com ele em direção ao altar e sugere: Sabe, Aime, meu
camarada, "o pão terá o efeito de sempre, ainda que tenha sido
santificado na vasilha" (21:5). Mesmo os pães consagrados, raciocina Davi,
ainda são assados no forno e levam farinha. Pão é pão, certo?
Davi, o que você está fazendo? Mentir não é suficiente?
Agora você está sendo leviano com as Escrituras e tentando persuadir o
pregador?
Funciona. O sacerdote dá-lhe do pão consagrado, "visto
que não havia outro além do pão da Presença, que era retirado de diante do
SENHOR e substituído por pão quente no dia em que era tirado" (21:6).
Ávido, Davi devora o pão. É provável que Aimeleque também tenha
feito o mesmo. Ele pergunta-se se fez a coisa certa. Ele inverteu a lei? Violou
a lei? Obedeceu a uma lei superior? O sacerdote concluiu que o apelo maior era
a barriga vazia. Em vez de pôr os pingos nos is do código de Deus, ele supriu a
necessidade do filho de Deus.
E como Davi retribui a compaixão de Aimeleque? Com outra
mentira! "Você tem uma lança ou uma espada aqui? Não trouxe a minha espada
nem qualquer outra arma, pois o rei exigiu urgência" (21:8).
A fé de Davi está vacilando. Não fazia muito tempo e a funda
do pastor era tudo de que ele precisava. Agora aquele que recusou a armadura e
espada de Saul pede uma arma ao sacerdote. O que aconteceu com nosso herói?
Simples. Ele perdeu seu foco em Deus. Golias está no telão
da imaginação de Davi. Conseqüentemente, começou o desespero. O desespero que
cria mentiras, incita o medo, esconde a verdade. Não há onde se esconder. Não
há o que comer.
Para o que tem fome espiritual, a igreja oferece
alimento.
Não há refúgio. Não há recurso. Adolescentes e grávidas, os
de meia-idade e os arruinados, os velhos e doentes... Para onde os desesperados
podem ir?
Eles podem ir ao santuário de Deus. A igreja de Deus. Podem
procurar um Aimeleque, um líder da igreja com um coração voltado para almas
desesperadas.
Aimeleque deu pão para Davi; agora Davi quer uma espada. A
única arma que há no santuário é uma relíquia, a espada de Golias. A espada
que Davi usou para decapitar a cabeça do gigante. Os sacerdotes estão expondo a
espada como a Galeria da Academia de Florença, na Itália, expõe a estátua de Davi,
de Michelangelo.
"Esta está perfeita", diz Davi. E aquele que entra
no santuário com fome e desarmado sai com a barriga cheia de pão e com a espada
de um gigante.
Eugene Peterson, escritor e pastor, vê este intercâmbio como
a função da igreja."Um santuário", ele escreve,"é... o lugar
onde eu, como Davi, consigo pão e uma espada, força para o dia e armas para a
batalha."'
Para o que tem fome espiritual, a igreja oferece alimento:
Pois estou convencido de que
nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem
quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na
criação será capaz de nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus,
nosso Senhor (Romanos 8:38-39).
Para o fugitivo, a igreja oferece as armas da verdade:
Sabemos que Deus age em todas
as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com
o seu propósito (Romanos 8:28).
Pão e espadas. Comida e equipamento. A igreja existe para
prover ambas as coisas. Ela consegue fazer isso? Nem sempre. Ajudar pessoas
nunca é um negócio organizado, porque as pessoas que precisam de ajuda não
levam uma vida organizada. Elas entram na igreja como fugitivos, pedindo abrigo
para escapar dos Sauls furiosos, em alguns casos, e das más escolhas em outros.
Os Aimeleques da igreja (líderes, mestres, pastores e assim por diante) são
forçados a optar não entre o preto e o branco, mas por tons de cinza; não entre
o certo e o errado, mas por um pouco de cada.
Procurar o espírito — mais do que a letra — da lei.
Jesus convida a igreja a se inclinar na direção da
compaixão. Um milênio depois o Filho de Davi lembra a flexibilidade de
Aimeleque.
Naquela ocasião Jesus passou
pelas lavouras de cereal no sábado. Seus discípulos estavam com fome e
começaram a colher espigas para comê-las. Os fariseus, vendo aquilo, lhe
disseram: "Olha, os teus discípulos estão fazendo o que não é permitido no
sábado". Ele respondeu: "Vocês não leram o que fez Davi quando ele e
seus companheiros estavam com fome? Ele entrou na casa de Deus e, junto com os
seus companheiros, comeu os pães da Presença, o que não lhes era permitido
fazer, mas apenas aos sacerdotes. Ou vocês não leram na Lei que, no sábado, os
sacerdotes no templo profanam esse dia e, contudo, ficam sem culpa?"
(Mateus 12:1-5).
No final do dia no santuário, a pergunta não deve ser
quantas leis foram violadas, mas, em vez disso, quantos Davis desesperados
foram alimentados e equipados? Aimeleque ensina a igreja a procurar o espírito
— mais do que a letra — da lei.
Davi ensina os desesperados a buscar ajuda entre o povo de
Deus. Davi tropeça nessa história. Almas desesperadas sempre tropeçam.
Davi ensina os desesperados a buscar ajuda entre o
povo de Deus.
Mas, pelo menos, ele tropeça no lugar certo — no santuário
de Deus, onde Deus atende e ministra aos corações desesperados.
Voltemos à história com a qual começamos este capítulo: o homem
ofegante e descuidado está sentado na igreja durante a reunião.
Mencionei o tamanho da congregação? Pequena. Uma dúzia ou
algo assim de almas reunidas em busca de força. Falei onde elas se reúnem? Em
uma sala no primeiro andar que elas tomaram emprestada em Jerusalém. E em que
dia? Domingo. O domingo após a crucificação na sexta. O domingo após a traição
na noite de terça.
Uma igreja de discípulos desesperados.
Pedro agacha-se na esquina e tapa os ouvidos, mas não pode
calar o som de sua promessa vazia. "Estou pronto... para a morte"
(Lucas 22:33).
Deus traz pão para a nossa alma. "Paz seja com
vocês", e uma espada para a batalha.
"Recebam o Espírito Santo".
Mas sua coragem desapareceu no togo e no medo da meia-noite.
E agora ele e os outros desertores se perguntam que lugar Deus tem para eles.
Jesus responde à pergunta passando pela porta.
Ele traz pão para a alma deles."Paz seja com
vocês" (João 20:19). Ele traz uma espada para a batalha. "Recebam o
Espírito Santo" (v. 22).
Pão e espadas. Ele dá ambas as coisas aos desesperados.
Ainda.
Olhe para Deus, o gigante caiu!!!
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