terça-feira, 19 de outubro de 2010

Justiça: A Carteira de Identidade do Cristão por: Eurico Schoenardie

(Mt 5.17-20)
Certa vez, num grupo de estudo bíblico evangelístico, fiz uma pergunta aos não cristãos. Foi a seguinte:
- "O que vocês acham dos cristãos?" - A resposta foi rápida e direta.
- "São uns chatos, que não fumam, não bebem, não jogam, não dançam...!"
Continuamos o diálogo e os cristãos acabaram por reconhecer que esta é a sua "Carteira de Identidade", hoje, no Brasil.
A revista "Veja", certa vez, referiu-se à seleção brasileira como um "time de crentes", pois o time não fumava, não bebia, não dançava e... também não jogava nada. Piadinhas à parte, será que essa identidade cristã centrada em não fumar, não beber, não jogar e não dançar, realmente bíblica?

No Sermão do Monte, Jesus profere umas palavras que nos remetem à questão do que é central na nossa obediência e do que, mesmo sendo obediência, não é essencial: "Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas: não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: Até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da lei, até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo na reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus. Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus".

Já bem no início do Cristianismo este texto era um problema e talvez continue sendo em nossos dias. No segundo século, por exemplo, Marcião eliminou esta passagem do Evangelho. Alguns seguidores dele reescreveram esta parte do Evangelho da seguinte maneira: "Jesus disse: eu não vim para cumprir a lei e os profetas mas para revogá-los". O que é justamente o contrário do que o texto bíblico diz.

É claro que existem vários aspectos deste texto que poderiam ser discutidos, mas há um que devemos considerar para o bem do povo que tem sido confiado aos pastores e obreiros deste país: qual é a obediência que Jesus diz que deve caracterizar os verdadeiros cristãos? Como seria aquela vida cuja justiça transpassaria em muito a obediência dos escribas e fariseus?

Neste sentido, precisamos fazer e responder duas perguntas: qual era a obediência dos escribas e fariseus? Esta é a marca de referência que Jesus deu, além da qual precisamos ultrapassar em muito. A segunda pergunta constitui-se de outros três: Qual é a obediência que Jesus nos pede? Como ela ultrapassa a obediência dos escribas e fariseus? Como é que nós cristãos podemos obedecer assim?

Qual era a obediência dos escribas e fariseus? Colocava o peso central naquilo que não se devia fazer

Os escribas e fariseus calcularam que o Antigo Testamento continha 248 proibições e 265 mandamentos, mas sua ênfase estava no que não se devia fazer. O dia do descanso tinha-se tornado num peso terrível, porque havia mais de 1000 coisas que não se podia fazer naquele dia.

Era uma religião ritual

A religião dos escribas e fariseus significava obedecer certas leis, regulamentos e normas. O comentarista bíblico, William Barclay, afirma o seguinte: "Os escribas e fariseus eram como aqueles a quem, ser cristão, é ir à igreja, ler a Bíblia, agradecer pelos alimentos, fazer reuniões familiares de leitura da Bíblia e executar todas aquelas ações que são consideradas como "espirituais", porém, são incapazes de ajudar a alguém, são pessoas sem simpatia pelos não cristãos (eles são os "inimigos"), gente que não quer se sacrificar, que estão tranqüilos em sua rígida "doutrina cristã correta" e permanecem surdos ao grito dos necessitados e cegos para as lágrimas do mundo. Para Jesus, ao contrário, servir a Deus era servir ao próximo".

Era formal e exterior

Os escribas e fariseus se preocupavam somente com o pecado visível (Mc 7). Bastava, por exemplo, não matar. Do ódio nada se falava. Adultério, era simplesmente ir para a cama com uma mulher ou um homem com quem não se fosse casado. Jesus, ao contrário, diz que pureza é algo bem mais profundo do que simplesmente se abster do ato exterior.

Tinha seu centro em coisas não bíblicas

Os fariseus davam o dízimo até da colheita da horta, coisa que a lei não ordenava (Mt 23.23), mas não se importavam com as coisas mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a obediência. Aqui as palavras de Jesus fazem eco às palavras do profeta Miquéias (Mq 6.8 ): "... o que é que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus?". Tinha havido um deslocamento daquilo que era periférico para o centro, e aquilo que deveria ser central era barateado.

Estas coisas não bíblicas eram usadas como um "jeitinho" para evitar a obediência real e verdadeira. Como no exemplo acima, davam o dízimo até daquilo que a lei não pedia, mas se esqueciam da justiça, da misericórdia (bondade) e da obediência a Deus. Jesus se refere a isto em Marcos 7.9-11: "Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição, pois Moisés disse: Honra a teu pai e a tua mãe... vós, porém... dizeis...". E com isto faziam o que eles bem queriam. Esta obediência distorcida tinha pervertido de tal forma o judaísmo que ele não mais era a evidência do verdadeiro caráter de Deus.

Voltemos ao exemplo de quem não fuma, não bebe, não dança e não joga... Gostaria de deixar bem claro que não estou afirmando que isto não seja obediência. Essas proibições têm o seu lugar. A questão, porém, é: qual o seu lugar? Devemos examinar os princípios e costumes que cremos devem caracterizar o verdadeiro cristão à luz das cinco características acima. Estas características representam a justiça falsa dos fariseus e não a justiça verdadeira de Jesus.

Por que não enfatizar este tipo de obediência?

O problema principal de enfatizarmos o tipo de obediência que diz que não se pode fumar, dançar, jogar ou beber, não está no fato destas coisas serem certas ou erradas. É que acabamos enfatizando a obediência a partir de coisas não bíblicas. Quando estas coisas que não estão na Bíblia ocupam um lugar tão central na vida do povo que passam a ser nossa identidade, a nossa identidade acaba não sendo bíblica. Assim, os incrédulos só poderão saber o que não somos e o que não fazemos, e não vão saber como Deus é. Ficamos tão preocupados em demonstrar o que Ele não é que nossas boas obras não levam os outros a glorificar nosso Pai (Mt 5.16).

Qual é a obediência que Jesus pede?
Jesus, ao contrário de se preocupar com a multiplicação de mandamentos negativos, centra sua atenção numa obediência cada vez mais profunda. Ele deixa claro que não basta não matar, porque sentir ódio, chamar de bobai hão, já é também pecar. Não basta não adulterar, cobiçar também é pecado.

Como deve nossa obediência ultrapassar a dos escribas e fariseus?
A obediência cristã deve ultrapassar a obediência dos escribas não na quantidade de obediência, mas no nível de profundidade com que se obedece. Ou seja, não é questão de aumentar o número de "nãos", e sim de obedecer do coração. No cristianismo, a aparência da árvore (a parte da vida que se vê) deve corresponder à profundidade das raízes (a parte da vida que não se vê).

Como podemos obedecer assim?

Podemos viver assim só se, primeiro, soubermos que é esta obediência profunda que Jesus pede. Quando Jesus a pede, pressupõe o Espírito Santo presente na vida da pessoa, morando dentro dela. Só quem tem o Espírito Santo pode obedecer assim.

Assim, sabendo que é esta a obediência que Jesus pede, e tendo o Espírito Santo, oferecemos os nossos corpos, nossas vidas, para sermos cada vez mais profundamente obedientes. Deve tornar-se o desejo do coração do cristão descobrir, em termos positivos, o que ele deve fazer para evidenciar a vida de Deus em sua vida e como pode participar da realização da vontade de Deus na Terra.

Para Jesus, justiça, misericórdia e confiança em Deus são centrais à obediência que Ele quer. Se evidenciarmos estas características em nossas vidas, revelaremos aos outros o caráter do Deus a quem servimos. Elas devem ser nossa "Carteira de Identidade". Devemos nos interessar, assim como Deus está interessado, em justiça entre todos os homens e não somente dentro da comunidade cristã. Devemos agir no nosso dia-a-dia para que haja mais justiça onde vivemos e atuamos.

Deus tem misericórdia de todos, ama a todos e quer a Salvação de todos. Devemos, também, mostrar misericórdia para com o pecador, preocupando-nos com sua Salvação e procurando descobrir como comunicar-lhe que Deus o ama.

Finalmente, sabendo que Deus é santo, devemos demonstrar uma obediência que parte dum caráter santo e não de mil e uma regras que tratam só do exterior. Devemos evidenciar ao mundo que o homem vê o exterior, mas Deus vê o interior. Ele vê o coração do homem e é aí que a santidade deve estar baseada.

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