sexta-feira, 10 de julho de 2015

Vem e vê. Os primeiros discípulos: Filipe e Natanael João 1.43-51)

Nos capítulos anteriores de João você vai perceber que a decisão de ir para a Galileia interrompe o contato de Jesus com o grupo de João Batista. O chamado de novos discípulos indica que alguns deles não pertenciam ao grupo.
João Batista orientava através de sua pregação a seguirem a Jesus de forma espontânea. No entanto, Filipe recebe o convite diretamente de Jesus. Não foi discípulo de João Batista. Filipe era de Betsaida, aldeia de André e de Pedro, situada na parte norte do lago da Galileia, na rota para a região pagã, também chamada de Cesareia de Filipe (Mc 8,27-30). Politicamente, não pertencia à Galileia. O nome Betsaida significa "pescaria ou lugar de pesca". Ao mencionar a procedência comum de Filipe e dos dois irmãos, André e Pedro, o evangelho de João insiste neste ofício para eles. Filipe e André aparecerão no episódio dos gregos João 12.20-22), primícia da missão entre os pagãos. A procedência de Betsaida, lugar de fronteira e composto de uma população mestiça, já indica a capacidade desses dois para o trabalho missionário entre os não-judeus. Sobre o chamado de Filipe, o evangelho de João não podia ser mais conciso. Para seguir Jesus, é suficiente escutar o seu imperativo: "Segue-me". É tudo.
Filipe conduz Natanael a Jesus
 Repete-se o esquema anterior. A necessidade de comunicar a experiência feita com Jesus, visível antes em André, aparece agora em Filipe, que vai buscar Natanael. Esse personagem, ao contrário dos demais discípulos, não recebe nenhuma apresentação por parte do evangelho de João. Porém é apresentado como alguém já conhecido. Será mencionado de novo somente depois da ressurreição de Jesus, integrado no grupo dos sete João 21.2). Certas tradições identificam Natanael com o apóstolo Bartolomeu. Filipe fala a Natanael no plural: "Encontramos aquele ..... João 1.45). Retrata aqui a presença de um grupo de discípulos que se movem ainda na esfera das antigas instituições. São israelitas apegados à Lei, que veneram a antiga Escritura.
No primeiro momento, Jesus, o Messias, não representa novidade, é o continuador da antiga tradição. Para eles, Jesus será o Messias, conforme a mentalidade do Antigo Testamento. Esses discípulos, que não foram discípulos de João Batista, não perceberam ainda a ruptura com a antiga instituição. Embebidos e apegados em suas tradições, concebem o Messias como o continuador de Moisés. Os profetas do Antigo Testamento, muitas vezes, descreveram a futura salvação em termos de restauração da monarquia de Davi. Daí foi tomando corpo à ideia de um Messias político, que seria o sucessor de Davi, o renovador das instituições. Era a tradição profética que mantinha a esperança do Messias.

É Jesus, filho de José, de Nazaré Natanael significa "dom de Deus". É um verdadeiro israelita. Não tem falsidade. Reconhece Jesus como "o rei de Israel". Jesus responde para todo o grupo com uma novidade. É ele a verdadeira escada que une o céu à terra; a mesma escada que Jacó já tinha visto em sonhos (Gn 28.10-22). Depois, Natanael o chamará de "Filho de Deus", embora Jesus se atribua a si mesmo como "Filho do Homem". Filipe identifica Jesus pela sua família de sangue, bem como o lugar de sua procedência. Em Jo 6.24, Jesus voltará a ser identificado por seus adversários como "o filho de José". Aí, "o filho" denota, na verdade, sua paternidade legal. A expressão "aquele descrito pelos profetas", sugere o Messias descendente de Davi. Portanto, Jesus seria, para Filipe, o Davi redivivo, que teria de realizar a unidade de Israel e levar a nação à glória.

A indicação dessa procedência de Jesus, no caso de Nazaré, indica algo mais. É o único ponto que Natanael retoma em sua pergunta. No momento da prisão, os guardas buscam a Jesus de Nazaré. Também no letreiro da cruz aparecerá a inscrição "Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus". A confissão final de Natanael "Tu és o filho de Deus, o Rei de Israel ", antecipa o título da cruz.

Vem e vê
À primeira vista, a reação de Natanael é negativa e sem muita esperança. A conexão entre Messias e Nazaré lhe parece impossível. Ninguém esperava um Messias procedente da Galileia, a região da periferia composta por uma população mestiça. Há certa ironia na pergunta de Natanael e, quem sabe, também uma grande desconfiança e até mesmo um desprezo diante do convite. Em Lc 4,16-30, vemos que os próprios habitantes de Nazaré não aceitaram Jesus como Messias. Diante da indiferença de Natanael, Filipe o convida a fazer ele também tal experiência. As palavras são tais e quais às que Jesus usou para convidar os dois discípulos anteriores. Porém, aqui, o convite de Filipe refere-se à pessoa de Jesus e não ao lugar. É a experiência na dinâmica do Espírito. Os que não conhecem Jesus têm de conhecê-lo primeiro. Jamais Jesus se define a si mesmo como Messias. É a convivência com ele que fará compreender sua pessoa. A resposta de Natanael é cheia de dúvidas, mesmo assim Jesus espera e vai instruindo o discípulo no decorrer dos três anos. Porém a compreensão final, por parte do discípulo, só se dará após a morte e ressurreição de Jesus.

O encontro de Jesus e Natanael
A expressão "aproximar-se de Jesus" significa buscar respostas para suas dúvidas. Pode ser mera curiosidade, mas também desejo mais profundo de um sentido de vida. Ainda bem que Natanael não virou as costas. As palavras de Filipe ditas a Natanael, "vinde e vê", devem ter provocado um grande impacto no coração do discípulo descrente. Aproximar-se é aderir à pessoa de Jesus, mesmo que nem tudo esteja claro, mesmo com dúvidas e incertezas. É a superação de um relacionamento superficial para outro mais profundo. Agora, Natanael está disposto a comprovar a afirmação de Filipe. Jesus toma a iniciativa do diálogo e descreve o discípulo, mesmo descrente, como "modelo de Israel ". É um elogio qualificado. O motivo disso é que em Natanael não existe falsidades nem mentiras, existem dúvidas dentro dele. O que é diferente.

Eu te vi quando estavas debaixo da figueira
O juízo positivo que Jesus faz deixa Natanael perplexo, uma vez que estava convicto de que Jesus não O conhecia. As resistências de Natanael vão caindo por terra. A rigidez vai dando lugar à abertura. A descrença vai dando espaço à adesão ao "desconhecido". A resposta à sua pergunta, à primeira vista, é enigmática: Jesus afirma tê-lo escolhido antes de o conhecer. O chamado de Natanael não é apenas mérito de Filipe, mas de sua eleição, que já estava feita. A referência da figueira recorda o profeta Oséias, onde Israel é comparado como um fruto da figueira nova (Os 9.10). A assembleia de Israel era comparada como as primícias da figueira. A alusão à figueira, tão clara para Natanael, continua sendo enigmática para nós. Uns pensam na figueira como imagem de Israel; outros, na vida tranquila e cotidiana sob a antiga figueira (1Rs 5,5). Ao que parece, Natanael se aplicava, embaixo da figueira, ao estudo das Escrituras, demonstrando ainda, aqui, sua dúvida, pois o conhecimento de Jesus só nascerá do encontro com ele.

Alegria e entusiasmo de Natanael
Da mesma forma como os dois discípulos de João Batista, Natanael também se dirige a Jesus chamando-o de "rabi", que era um título dado aos mestres de Israel. Ele reconhece, desde já, que Jesus é o seu mestre. Faz isso publicamente e está disposto a seguir o seu ensinamento. Porém o horizonte dele ainda é nacionalista. Jesus é para ele o rei esperado na restauração de Israel. Jesus corrige seu entusiasmo destorcido. Declara que isso é pouco ao lado do que significa sua missão. Apresenta a Natanael uma imagem que ele conhece através das Escrituras: a escada de Jacó, que une o céu à terra. Jesus fala a ele do céu aberto. Indica, assim, que a comunicação com Deus não será ocasional, mas permanente. O céu simboliza a esfera divina. Ele não se fecha para quem quer ser discípulo dele. O lugar da comunicação será a própria pessoa de Jesus. Outro aspecto que Jesus fala a Natanael é o movimento contínuo dos anjos de Deus, subindo e descendo por essa escada. É uma referência ao tema da glória de Deus. Aparece, assim, a função dos anjos: contemplar a face do Pai. Agora, o discípulo e a comunidade são convidados a fazer também a experiência visual: contemplar em Jesus a imagem do Pai: "Quem me vê, vê o Pai" ao 14,9). Jesus será a realização máxima do amor do Pai. Ele é a presença do Pai, que não se pode conhecer a não ser pela experiência.  (Texto de Agenor Girardi)



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